(Por: Mariano Andrade)
O clássico
filme “Muito além do jardim” foi um dos pontos altos da carreira do célebre
ator Peter Sellers. A película retrata a trajetória de Chauncey, um fictício
jardineiro analfabeto que, por uma sequência fortuita de eventos, acaba se
tornando um presidenciável messiânico em uma América abatida por sério revés
econômico.
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Em maio de
2017, o governo Temer entrou em crise após o jornalista Lauro Jardim publicar
que o presidente havia sido gravado por Joesley Batista e que, no áudio, Temer dava aval para a compra do silêncio de Eduardo Cunha. O episódio teve diversos
desmembramentos bem conhecidos, mas uma pergunta-chave passou ao largo da
imprensa: como o jornalista teve acesso a material sigiloso que só foi
disponibilizado ao público alguns dias depois?
O aúdio
revela uma conversa obscura e reprovável, permeada com temas absolutamente
não-republicanos e prevaricação do presidente. Mas, de forma alguma, mostra
Temer dando aval a eventual compra de silêncio. Ou seja, se o jornalista ouviu
o áudio antes de publicar a matéria – algo muito grave e que segue sem
explicação – a manchete foi tendenciosa
e distorceu a realidade. Se ele apenas soube da existência da gravação e
publicou a manchete fazendo ilações sobre o conteúdo do áudio, houve
irresponsabilidade. De uma forma ou de outra, prestou um baita desserviço ao
Brasil, ressuscitando a polarização política (apesar de Temer ter sido
eleito pelo “13” nas urnas) e colocando uma pá de cal na tão necessária reforma
da previdência que então ganhava corpo.
Mas isso
aqui é Brasil e a memória é curta. Seguiremos sem saber qual é a resposta à
“pergunta de um milhão de reais”. (Aproveitando o ensejo do bordão: Huck
presidenciável é piada... com tantos sábados de conteúdo idiótico, nossos
neurônios devem ter cozinhado no caldeirão)
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Novembro de
2017. Lauro Jardim mais uma vez lança um post
bombástico: Henrique Meirelles teria recebido R$ 180 milhões como conselheiro
da J&F por reuniões “fake”.
Trata-se de um factóide: a J&F é uma empresa privada, Meirelles idealizou a
constituição e a estratégia do Banco Original (do grupo J&F) e foi
remunerado por isso. Pode-se achar muito ou pouco dinheiro, exagerado ou justo,
mas o fato é que – se Meirelles declarou o valor ao fisco e recolheu seus
impostos – ninguém tem nada a ver com isso além dos acionistas da J&F. O valor não deveria causar espanto num país onde alguns acham que salário mensal de R$ 31 mil é trabalho escravo.
(Claro que os inúmeros "malfeitos" do grupo JBS são de interesse de todos e merecem ser expostos e punidos. Mas a remuneração de um executivo ou conselheiro por sua atuação dentro de parâmetros éticos e republicanos é outra história. Em contrapartida, no caso de atuação ilícita, não importa se a remuneração foi de R$ 180 milhões, R$ 180 mil ou 180 salsichas – a lei deveria ser igual para todos e tem que haver punição.)
O
jornalismo brasileiro precisa evoluir muito. Tanto em sua capacidade
investigativa como no seu compromisso com informar de maneira completa e isenta
uma sociedade com pouca instrução. Basta assistir aos filmes “Spotlight” e “Truth” para concluir que nos Estados Unidos – por exemplo – “o
buraco é mais embaixo”. Ou melhor: o furo de reportagem é muito mais embaixo.
“Spotlight” mostra um grupo de repórteres
desmascarando a prática de pedofilia por padres católicos, após exaustivas pesquisas em anuários, autos
processuais e outros documentos (detalhe: não havia internet, era trabalho
“raiz”). Detalhe crucial: o grupo construiu a tese e a validou com padres e
vítimas antes de publicar qualquer material.
“Truth” narra a história de Dan Rather,
respeitado jornalista e apresentador da CBS News, cuja equipe se lançou numa
matéria sobre a carreira militar de George W Bush. Apesar de mostrar uma
pesquisa proprietária relevante com acesso a diversos ex-colegas e ex-superiores
de Bush, a edição final da matéria deixou de fora um elo importante para a
robustez da tese de que Bush não foi um militar exemplar (muito pelo
contrário). Por conta desta lacuna, a imprensa em geral caiu de pau sobre
Rather que, ultimamente, deixou a CBS. O filme revela uma autorregulação
consuetudinária dos agentes de imprensa em prol da verdade ao público americano.
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Num país como
o Brasil, com população de baixa escolaridade, enquanto não houver um
jornalismo com qualidade muito além dos jardins, a massa seguirá acreditando em
presidenciáveis messiânicos e analfabetos.
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